INFLUÊNCIA DA SOMBRA NO BEM-ESTAR E NA PRODUTIVIDADE ANIMAL 

O bem-estar animal não é apenas uma questão de ética, mas também um fator crucial para o sucesso do mercado agropecuário.

Importância do bem-estar animal para o mercado consumidor

O bem-estar animal (BEA) é regra do mercado internacional como garantia da qualidade dos processos de produção e do produto. A União Europeia declara abertamente sua preferência por produtos de empresas que priorizem padrões elevados nos cuidados com os animais.*

Assim, cada vez mais, estudos surgem apresentando práticas de manejo que garantem maior bem-estar, a fim de obter maior eficiência, melhores resultados econômicos e um produto com melhor qualidade.*

Na América Latina o BEA tornou-se relevante há alguns anos e um tema emergente, já que impacta na saúde animal e, consequentemente:

  • na qualidade dos alimentos, repercutindo na percepção destes efeitos pelos consumidores;
  • na viabilidade econômica destes produtos;
  • os consumidores se preocupam cada vez mais com aspectos como saúde, segurança alimentar, ética e meio ambiente.*

Dada a importância do tema, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) implementou a Comissão Técnica Permanente de Bem-Estar Animal (CTBEA), cujo objetivo é coordenar atividades nos diversos elos da cadeia pecuária, com ações, que visam, dentre outras, propor normas e recomendações técnicas de boas práticas e discussões em torno do tema nas cadeias produtivas.*

Bem-estar animal: o que é?

“Um conceito amplo, relacionado com a qualidade de vida do animal e sua capacidade de se manter saudável no sistema em que vive”. Luz, ruídos e atmosfera circunstante podem interferir direta ou indiretamente sobre o bem-estar animal, mas a temperatura do ar e a radiação solar são os que mais influenciam os animais criados em sistemas a pasto.*

Os bovinos são animais homeotérmicos, ou seja, tentam manter sua temperatura corporal. Este sistema está relacionado com as trocas de calor do animal com o ambiente e depende da temperatura do ar.*

A falta de conforto térmico traz consequências negativas

Quando um animal é exposto ao calor ou frio excessivo ocorre uma alteração no seu sistema endócrino e na regulação do seu metabolismo. Devido ao desconforto que sentem, passam a produzir uma quantidade maior de cortisol, hormônio diretamente ligado ao estresse. As consequências:

  • alteração do seu comportamento;
  • diminuição do consumo de alimentos;
  • aumento do consumo de água;
  • o gado de leite apresenta maior sudorese e perde sais minerais fundamentais para a produção de leite. O leite, portanto, apresenta menor qualidade e valor comercial;*
  • a quantidade e a qualidade do sêmen dos animais são reduzidas; 
  • na fêmea, quando sua temperatura interna aumenta, os ovócitos produzidos são de baixa qualidade, prejudicando a fecundação;
  • se ocorrer fecundação, é muito importante que o embrião permaneça sob condições ideais de temperatura, pois o feto é altamente sensível às oscilações térmicas e pode sofrer defeitos congênitos ou até morrer precocemente;
  • o mecanismo de termorregulação dos animais na fase de cria é menos eficiente, e oscilações de temperatura do ambiente os deixa mais suscetíveis, podendo apresentar hipertermia de maneira muito mais intensa do que nos animais adultos;*
  • transpiração e respiração ofegante (arrefecimento por evaporação), podendo o organismo entrar em colapso e levar o animal a morte.*

Esse processo agrava-se com as mudanças climáticas, que têm provocado o aumento das temperaturas globais e locais, além do registro de ondas de calor, conforme se verificou no final do ano de 2023. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), mostrou que este fenômeno está efetivamente ocorrendo, provocando um aquecimento médio no planeta de 1,1° C em relação aos níveis pré-industriais e que o mundo provavelmente atingirá 1,5 °C de aquecimento nas próximas duas décadas.*

Bem-estar animal por meio do sombreamento natural

Para minimizar os impactos negativos do calor e da radiação solar sobre os animais a pasto e melhorar a qualidade ambiental, a oferta de sombra, natural ou artificial é muito eficiente. As árvores, que oferecem sombra natural, são recursos eficazes e econômicos para proteger os animais. Além disso, funcionam também como proteção contra os ventos,  chuvas e geadas.*

As sombras das árvores podem diminuir as temperaturas em até 5 °C nas áreas sombreadas.*

O sistema silvipastoril, também conhecido como Integração-Pecuária-Floresta (IPF), ou a ILPF, combina árvores, pastagens e animais em uma mesma área, ao mesmo tempo e tem se destacado como uma opção de manejo para a produção de bovinos.

Esses sistemas permitem intensificar a produção, devido ao manejo integrado dos recursos naturais existentes. Possibilitam ao produtor ter duas ou três atividades econômicas no mesmo espaço, ao mesmo tempo, diversificando a produção e incrementando a renda do produtor. Assim, a monocultura é substituída por um sistema variado e as fontes de renda do produtor agropecuário são oriundas de mais de uma cultura.*

A integração é benéfica também para o meio ambiente, já que aumenta a retenção de água pelo solo, maximiza a disponibilidade de matéria orgânica e a qualidade do capim, quando consorciado à silvicultura e à lavoura. A presença de árvores na área pode promover melhorias e proteção tanto à produção forrageira, quanto ao animal e favorecer a produtividade e a sustentabilidade da área.

Benefícios da ILPF ao manejo dos bovinos: estudos e resultados

Várias unidades da Embrapa têm comprovado que a sombra proporciona bem-estar aos animais e eficiência na produção. Pesquisadores da Embrapa, concluíram que vacas Gir Leiteiro com acesso a áreas com sombra de eucaliptos, produziram, no período do estudo, quatro vezes mais embriões durante a época mais quente do ano e 22% a mais de leite. Líderes do projeto colocam que o uso da ILPF aumenta a produtividade de leite, a quantidade de embriões produzidos e melhora a qualidade do produto e do pasto, o valor nutritivo da forragem e os parâmetros fisiológicos e comportamentais dos animais adultos. A pesquisa mostrou que o ambiente sombreado reduziu a temperatura da superfície corporal das vacas em diferentes pontos em até 3%.*

O aumento da produção de leite das vacas Gir Leiteiro com acesso à sombra ocorreu juntamente com a qualidade do produto, que apresentou 6% a mais de extrato seco desengordurado (extrato seco total, menos o teor de gordura), quando comparado aos animais submetidos a pleno sol.*

Em relação à reprodução, os animais submetidos à sombra produziram quatro vezes mais embriões em comparação às que pastejavam no sol. O tempo de ruminação destes animais aumentou em 32%. De acordo com os pesquisadores, “quanto mais tempo o animal fica ruminando, mais ele divide as partículas de forragem e as deixam expostas para a fermentação animal; produzir mais saliva tem um efeito tampão no rúmen, o que favorece a digestão das fibras e disponibiliza mais nutrientes aos animais”.*

Além do benefício aos animais, as árvores no pasto melhoram a qualidade da forragem. A proteína bruta do capim no pasto com árvores foi 30% superior quando comparada à do capim do pasto sem árvores. Isso porque ocorre a intensificação da degradação da matéria orgânica e da reciclagem de nitrogênio no solo, sob influência do sombreamento. O período juvenil da planta forrageira é prolongado, mantendo os níveis metabólicos elevados, o que aumenta os nutrientes disponíveis para os animais durante o pastejo.*

Pesquisas também mostraram que animais criados em sistemas integrados com árvores bebem menos água em bebedouros, quando comparados aos sistemas convencionais, a pleno sol. A redução se aproxima a 19%. Os estudos relataram que, no período da tarde, 87% dos animais que ficaram expostos ao sol foram ao bebedouro. Na área sombreada, esse indicador caiu para 63%, no mesmo período.*

A diferença foi maior nos meses de janeiro a março, quando as temperaturas são geralmente mais altas. Quando os animais se abrigam na sombra, sua carga térmica diminui, havendo menor necessidade de dissipar o calor para o ambiente, o que reduz a respiração ofegante e a transpiração, minimizando a necessidade de ingestão de água. Na área de ILPF, onde há árvores, os animais preferem os espaços com sombra, independente do horário do dia. Os animais que podiam escolher entre o sol e a sombra passavam mais tempo pastejando ali, ora em ócio, ora ruminando sob as árvores.*

A adoção da ILPF, em seus diferentes arranjos, cresce no Brasil cerca de 10% ao ano, atingindo 17,43 milhões de hectares, de acordo com estudo realizado pela Rede ILPF. O sistema ILPF permite o uso da madeira para diversos fins, oferece conforto térmico aos animais e proporciona diversos impactos positivos na produtividade dos animais.*

Bem-estar animal por meio do sombreamento artificial

A disponibilidade de 3 metros quadrados de sombra por animal no pasto, proporcionando 80% de redução da radiação, melhora significativamente o ambiente sombreado, reduz a temperatura, a radiação solar e aumenta a umidade. Estudos mostram que os animais em piquetes sombreados apresentam melhora no comportamento e no seu desempenho, além de aumento na taxa de ganho de peso diário, com uma variação entre 0,1 e 0,2 kg/dia e consequente aumento no peso final e rendimento de carcaça.*

Os zebuínos, que são animais de origem tropical, também podem apresentar resultados produtivos positivos quando lhes são disponibilizadas as sombras, tanto naturais, como artificiais. É claro o deslocamento de animais para as áreas sombreadas nos horários mais quentes do dia.*

Pesquisadores da Embrapa analisaram o impacto do efeito do sombreamento artificial sobre as características fisiológicas, comportamentais e de desempenho de gado nelore. Nos experimentos, a estrutura utilizada foi uma tela com 80% de bloqueio da luz solar. A sombra artificial influenciou no consumo de água e manteve o desempenho animal.*

Os animais com acesso à sombra consumiram diariamente, em média, três litros de água a menos que o gado que estava a pleno sol. Para os pesquisadores, este valor é significativo, devido ao número de animais abatidos no Brasil anualmente. Baseado nestes dados, a economia de água, em um ano seria de mais de 1,5 bilhão de litros ou 1,5 milhão de metros cúbicos de água, caso todos os animais abatidos tivessem acesso ao tipo de sombra artificial utilizada durante o confinamento. Considerando o valor per capita rural de 100 litros por habitante ao dia, a economia supriria o consumo anual de 42 mil habitantes que vivem no campo.*

Outro dado importante foi a produtividade hídrica, que é a relação de quilogramas de peso de carcaça, por litros de água e se apresentou 10,37% maior para os animais à sombra.*

Este é mais um benefício do fornecimento de sombra, mesmo que artificial aos animais à pasto: economia de água e diminuição da pegada hídrica. A pegada hídrica é um conceito criado pelo professor Arjen Hoekstra da UNESCO-IHE, em 2002, que diz respeito ao volume de água doce gasto na produção de bens e serviços. Este indicador possibilita avaliar o consumo direto e indireto de água ao longo da cadeia produtiva, ou seja, desde a matéria-prima até o produto completamente finalizado. A diminuição do consumo de água pelos animais, causado pelo fornecimento de sombra na área de pasto, resulta na minimização da pegada hídrica da produção agropecuária.*

Em resumo: Sombra no pasto é ética e sustentabilidade da atividade agropecuária pois alia o aumento da produtividade com o bem-estar dos animais e a economia dos recursos naturais.

* Fontes

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ROSSO, GISELE. Sombra artificial em confinamento reduz consumo de água do rebanho. Embrapa, 2022. Disponível em: https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/67988035/sombra-artificial-em-confinamento-reduz-consumo-de-agua-do-rebanho  Acesso em: 17 fev. 2024.

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