De acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a produção de café da espécie Coffea arabica (café arábica), em termos globais, foi prevista em 99,9 milhões de sacas para a safra 2024-2025. Já a safra da espécie Coffea canephora (café robusta + conilon) foi estimada em 76,4 milhões de sacas. Assim, a safra total mundial de café estimada para 2024-2025, incluindo essas duas espécies de cafés é de 176,2 milhões de sacas.
Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo, já que a exportação prevista para 2024-2025 é de 58,81 milhões de sacas, o que corresponde a 33,3% da safra mundial, numa área de aproximadamente 2,25 milhões de hectares.
O modelo predominante de cultivo utilizado na cafeicultura brasileira é baseado no monocultivo, onde o cafeeiro é a única planta presente no sistema. Nesse método, a área entre as fileiras de plantio (renques) é mantida sem cobertura vegetal, sendo controlada por meio do uso de herbicidas e/ou equipamentos mecânicos. Essa prática favorece a erosão e pode causar impactos negativos na qualidade física e biológica do solo, já que sua camada superficial fica exposta à radiação solar e sujeita ao aquecimento.
Atualmente, tem registros, da adoção cada vez mais crescente, do consórcio entre o cafeeiro e forrageiras tropicais do gênero Brachiaria. Nesse sistema de produção, toda a área agrícola é cultivada, sendo parte destinada ao cafeeiro e nas suas entrelinhas a Brachiaria. A cobertura vegetal é manejada por meio de roçadas periódicas e os resíduos resultantes permanecem sobre o solo, proporcionando proteção diminuindo a ocorrência de enxurradas e a intensa radiação solar ao longo do ano.
Benefícios do consórcio Café x Brachiaria para o solo
O consórcio Café x Brachiaria traz diversos benefícios ao ambiente onde está implantado, como:
- Facilita a eliminação de plantas daninhas;
- Protege o solo contra o impacto direto da chuva;
- Protege o solo do aquecimento, que é prejudicial às raízes;
- Atua na manutenção da umidade do solo, reduzindo a evaporação de água;
- É fonte de nutrientes para o cafeeiro;
- Aumenta o teor de matéria orgânica no solo;
- Reduz o risco de erosões do solo, já que o sistema radicular da gramínea ajuda na estruturação do solo, devido à decomposição de parte das raízes que ocorre após sua ceifa;
- Reduz o uso de herbicidas no cafeeiro, pois sua aplicação é realizada somente na linha do cafeeiro: a entrelinha é manejada com roçadas;
- Em lavouras novas, atua como quebra vento, evitando problemas de tombamento de mudas do cafeeiro, comum em áreas sujeitas a ventos fortes.
A presença de Brachiaria nas entrelinhas do cafeeiro pode aumentar a quantidade microorganismos benéficos à planta, como por exemplo os fungos micorrízicos arbusculares, estes apresentam facilidade de simbiose com as plantas. Os fungos melhoram as propriedades físicas do solo pela ação mecânica das hifas extrarradiculares e por causa da exsudação de glicoproteínas agregadoras das partículas do solo.
O fornecimento contínuo desta biomassa radicular é uma fonte rica de Carbono, que mantém a diversidade de organismos, promove agregação, aeração, aumento da taxa de infiltração de água, redução da compactação e a manutenção do C-oxidável do solo, o que proporciona a melhoria da qualidade do solo.
A quantidade de macroporos do solo pode ser aumentada graças à biomassa de raízes associadas aos microrganismos. Pelos macroporos, ocorre a difusão do oxigênio da atmosfera para o interior do solo, que promove a respiração e o crescimento das raízes, especialmente no subsolo.
O consórcio braquiária x cafeeiro estimula a reposição da reserva hídrica e reduz a evaporação, aumentando o teor de água facilmente disponível no solo. Além disso, o extenso sistema radicular da braquiária influencia dois processos de distribuição de nutrientes no solo: a lixiviação e a ciclagem biológica.
A grande capacidade de recuperação de potássio do solo e subsolo pela gramínea é importante porque este é o nutriente mais absorvido e removido pela colheita de café. O fósforo também é um nutriente beneficiado pela presença da gramínea. Na cultura do café especula-se que a braquiária pode auxiliar a absorção do nutriente, devido ao aumento da superfície de absorção proporcionada pela superfície das hifas dos fungos micorrízicos arbusculares. Complementarmente, o fósforo absorvido pela gramínea também é liberado ao cafeeiro após a deposição e degradação dos resíduos sob sua copa.
No consórcio café-forrageira, o solo fica protegido pela vegetação ou pelo resíduo da ceifa periódica da parte aérea. Além da proteção contra as intempéries, a cobertura com a biomassa caulinar pode tornar o sistema de produção resiliente à compactação.
Estudos comprovam os benefícios do consórcio Café x Brachiaria para o solo
Estudos mostram que, em cafezal consorciado com a forrageira tropical, foi observado 49% a mais de água nos primeiros 0,1 m de profundidade, o que favorece a atividade dos organismos do solo e a bioquímica do sistema.
Pesquisas relatam que sem o uso da planta de cobertura, a lavoura é atacada por espécies invasoras, exigindo mais ações de controle e utilização de defensivos agrícolas. Em um estudo específico, o uso da braquiária reduziu em cerca de 40%, a utilização de herbicidas e o uso de máquinas e equipamentos, além de favorecer a atividade microbiológica, devido à redução na temperatura média do solo.
Experimentos ocorridos no Oeste Baiano, com solo arenoso, clima quente e período de chuva definido e longo, comprovaram que a introdução da braquiária nas entrelinhas do cafeeiro provocou economia na produção, já que diminuiu o uso de óleo diesel, devido à realização de menos roçados e menos uso de água na irrigação.
As espécies forrageiras mais utilizadas no consórcio Café x Brachiaria
A Brachiaria decumbens (Urochloa decumbens) ou braquiarinha, é uma cultivar rústica, apresentando boa tolerância ao sombreamento. Essa espécie forma touceiras mais robustas, promovendo maior cobertura do solo por ser uma cultivar com características decumbentes. Sendo assim, é uma boa opção para o consórcio Coffea x Brachiaria.
A Brachiaria ruziziensis (Urochloa ruziziensis) não é tão rústica quanto a Brachiaria decumbens; portanto sua formação na área é mais lenta. Porém, ela apresenta mais vantagens, pois entouceira menos, cobre mais o terreno, demora mais para produzir sementes e se mantém por mais tempo no período vegetativo, produzindo maior quantidade de massa por hectare. É uma ótima opção para o consórcio Café x Brachiaria.
A Brachiaria brizantha (Urochloa brizantha) ou braquiarão não cobre o terreno totalmente, porque apresenta crescimento mais entouceirado comparado com a decumbens e a ruziziensis. Assim, não é recomendada para o consórcio Café x Brachiaria, já que o terreno fica exposto, não atendendo ao objetivo de proteger o solo.
Implantação e manejo da braquiária na entrelinha do cafeeiro
Na implantação do consórcio Café x Brachiaria, recomenda-se que se realize o plantio da forrageira com antecedência e depois, seja implantado o cafeeiro. Porém, costumeiramente, as lavouras são removidas entre julho e agosto e o novo plantio já é realizado em novembro. Sendo assim, a braquiária deve ser semeada o quanto antes, preferencialmente antes da abertura do sulco.
Para a implantação da braquiária, é necessário aplicar herbicida na área e realizar o plantio, após 10 dias, com plantadoras, ou a lanço, com adubadoras. É imprescindível que as sementes permaneçam cobertas na área, para que ocorra a devida germinação. São utilizadas por volta de 6 a 8 kg de sementes de espécies de Brachiaria decumbens ou Brachiaria ruziziensis por hectare em condições favoráveis de plantio.
Para o manejo da braquiária, no período chuvoso (outubro a março), em lavouras de plantio, primeira e segunda safra e recepa, devem ser realizadas roçadas alternadas nas ruas. Em lavouras a partir da terceira safra, podem ser roçadas todas as ruas. Recomenda-se direcionar o produto resultante da roçada para a projeção da saia do cafeeiro, a fim de manter a umidade local e fornecer nutrientes para a cultura.
No período seco (abril a setembro), o controle deve ser feito em todas as ruas sem alternar, apenas por meio de roçadas, sem a utilização de herbicidas. Na linha do cafeeiro, os herbicidas devem ser aplicados para o controle de plantas invasoras. Pesquisas mostram que é importante respeitar uma faixa de controle de um metro de cada lado da linha do cafeeiro.
Estudos demonstram que o manejo da braquiária na entrelinha do cafeeiro acarretou maior vigor às plantas, quando comparado ao manejo com o solo exposto (sem cobertura) e com a utilização do filme plástico de polietileno (mulching) na linha do cafeeiro.
Desvantagens do consórcio Café x Brachiaria para o solo
A adoção do consórcio café x braquiária pode causar competição por água, luz e nutrientes, já que ocorre o cultivo de mais de uma espécie de planta em um mesmo terreno.
As raízes do cafeeiro estão majoritariamente concentradas nos primeiros 30 cm do solo, abaixo da copa da planta, onde a braquiária não se desenvolve devido à falta de luz, evitando qualquer tipo de competição prejudicial neste local.
Nos dois primeiros anos de formação da lavoura, é essencial manter uma faixa ao longo de cada lado da linha de café livre da interferência de outras plantas. Além disso, como a relação C/N dos resíduos da braquiária é maior do que a relação C/N de equilíbrio, os microrganismos decompositores não encontram os nutrientes necessários na própria biomassa e, por isso, absorvem parte do nitrogênio presente no solo, o que pode gerar certa competição com o cafeeiro.
A fertilização nitrogenada do cafeeiro deve ser ajustada levando esse fator em consideração para evitar impactos negativos na planta. Existem relatos de que a produtividade do cafezal pode ser reduzida devido à liberação de substâncias alelopáticas. No entanto, não há comprovação científica de que a braquiária exerça esse efeito sobre o café. O mais provável é que ocorra competição por água e nutrientes, especialmente se não for mantida uma distância mínima de 50 cm entre as duas espécies em lavouras adultas.
Assim, é imprescindível atentar para as adequadas técnicas de manejo na adoção do consórcio Café x Brachiaria para garantir o sucesso da sua implantação e usufruir dos seus benefícios no campo.
Casos de sucesso
Estudos científicos comprovaram que o consórcio café conilon x braquiária contribuiu para o desenvolvimento do cafezal e com a preservação ambiental, já que causou o aumento de matéria orgânica, a melhora da microbiota e descompactação do solo e a redução do uso de herbicida.
Cafeicultor do estado do Espírito Santo, que consorciou café conilon com braquiária, zerou o uso de glifosato para limpeza da roça, reduziu em 80% o uso de herbicida para controle de pragas e só faz pulverização com produtos biológicos. Na adubação, utiliza por volta de 60% de biofertilizante orgânico e 40% de adubação química. Estas ações permitiram a redução dos custos de produção em cerca de 30%.
Cafeicultor de Jaguaré investiu no plantio de café conilon com capim mombaça nas entrelinhas, com a finalidade de, com a cobertura das entrelinhas do café, disponibilizar matéria orgânica para o solo. Em quatro anos, diminuiu a aplicação de herbicidas em mais de 80% e a adubação passou a ser feira com organominerais, uma vez que o capim, depois da roçagem, passou a ser um adubo verde.
Conclusão
O consórcio Café x Brachiaria apresenta-se como uma técnica altamente eficiente para aumentar a qualidade do solo nas áreas de cafezais, já que auxilia na estruturação do solo, protege-o contra o impacto direto da chuva, mantém a sua umidade, aumenta o seu teor de matéria orgânica e reduz o risco de erosões.
O maior desafio do consórcio Café x Brachiaria é a competição que pode ocorrer entre as espécies. Porém, com o manejo adequado do sistema, isso pode ser superado, assegurando a sustentabilidade da lavoura, que garante o aumento da produtividade, a preservação ambiental e a viabilidade econômica do setor.
Fontes
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